Do Reajuste por Faixa Etária nos Planos de Saúde e o Consumidor com 60 anos.


Questão bastante controvertida sem dúvida alguma e que tem provocado a distribuição de diversas ações sobre a sua regularidade, é a do reajuste do plano de saúde pela faixa etária, quando o consumidor atinge a idade de 60 anos.

A matéria sempre foi controvertida. No TJ/RJ, por exemplo, alguns acórdãos entendiam que quando o consumidor atingisse a idade de 60 anos, o reajuste por faixa etária não poderia ser aplicado com base no §3º, do artigo 15, do Estatuto do Idoso:

"Artigo 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

(...)

§ 3º. É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade."

Diante da relevância da matéria e do risco do colapso no sistema de saúde privado, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se através do procedimento previsto para os Recursos Repetitivos, onde estabeleceu requisitos para o reajuste.


Inicialmente, a variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de  assistência  à  saúde, em razão da idade do usuário, deverá estar prevista  no  contrato,  de  forma  clara,  bem como todos os grupos etário e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (caput, do artigos 15 e inciso IV, do artigo 16, da Lei nº 9.656/1998).

Os  gastos de tratamento médico-hospitalar de idosos são geralmente mais altos do que os jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade.

A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança  de  faixa  etária  do  beneficiário  encontra fundamento no mutualismo (regime  de  repartição  simples) e  na  solidariedade intergeracional,  além  de  ser  regra  atuarial  e  asseguradora de riscos.

Com vistas  a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos  preços  fracionados  em  grupos  etários a fim de que tanto  os  jovens  quanto  os de idade mais avançada paguem um valor compatível  com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção.

Para que o valor do plano de saúde dos idosos não fiquem extremamente  dispendiosos,  o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, que obriga aos mais jovens suportarem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).

Noutro giro, as mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade, o que colocaria em colapso todo o sistema  de  saúde  suplementar  em  virtude  do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção).

Feita essas considerações iniciais, passaremos a análise da Lei que trata da matéria.

A norma do  §3º, do artigo 15, da Lei nº 10.741/2003, que veda "discriminação  do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da  idade",  apenas  inibe  o reajuste que consubstanciar  discriminação  desproporcional ao  idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato, passou por uma modulação de sua interpretação.

Foi nesse sentido que caminhou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao estabelecer alguns requisitos para nortear o reajuste do plano de saúde do idoso.

São eles: 

(i) a expressa previsão contratual (norma geral dos contratos);

(ii) não  serem  aplicados  índices  de  reajuste  desarrazoados ou
aleatórios,  que  onerem  em  demasia  o  consumidor,  em  manifesto
confronto  com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e
da  especial  proteção  ao  idoso,  dado que aumentos excessivamente
elevados,  sobretudo  para  esta última categoria, poderão, de forma
discriminatória,  impossibilitar a sua permanência no plano; e 

(iii) respeito  às  normas  expedidas  pelos  órgãos governamentais, em especial: 

a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e
planos  de  saúde  firmados  antes  da  entrada  em  vigor da Lei nº
9.656/1998,  deve-se  seguir  o que consta no contrato, respeitadas,
quanto  à  abusividade  dos  percentuais  de  aumento,  as normas da
legislação  consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as
diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS;

b)  Em  se  tratando  de  contrato  novo firmado ou adaptado entre
2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na
Resolução  CONSU  nº  6/1998,  a  qual  determina a observância de 7
(sete)  faixas  etárias e do limite de variação entre a primeira e a
última  (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a
6  (seis)  vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não
podendo  também  a  variação  de  valor na contraprestação atingir o
usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez)
anos;

c) Para os contratos novos firmados a partir de janeiro de 2004, incidem
as  regras  da Resolução Normativa nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância: (i)
de  10  (dez)  faixas  etárias,  a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado  para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes  o  previsto  para  a  primeira; e (iii) da variação acumulada entre  a  sétima  e  décima faixas não poder ser superior à variação
cumulada entre a primeira e sétima faixas.

Sendo reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do consumidor, para  não  haver  desequilíbrio  contratual,  faz-se necessária,  nos  termos  do  § 2º, do artigo 52, do CDC, a apuração de
percentual  adequado  e  razoável  de  majoração  da  mensalidade em virtude  da  inserção  do  consumidor  na nova faixa de risco, o que será  apurado na fase  de cumprimento de sentença.

No mesmo sentido, quanto a possibilidade de reajuste pela faixa etária, mas limitada a percentual que não seja abusivo, citamos a título ilustrativo a seguinte ementa do TJ/RJ:

"Ementa. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE INDIVIDUAL. REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. PERCENTUAL QUE CONFIGURA HIPÓTESE DE PRÁTICA ABUSIVA. NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL. REAJUSTES QUE DEVEM SEGUIR OS ÍNDICES FIXADOS PELA ANS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO QUE DEVERÁ OCORRER DE FORMA SIMPLES POR AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA OPERADORA, CONFORME DISPOSTO NO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, PARTE FINAL, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL DE 10 ANOS, NA FORMA DO ART. 205 DO CC. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSOS AOS QUAIS SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, NA FORMA DO ARTIGO 557, §1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL." Apelação nº 0008467-71.2014.8.19.0066, acórdão de relatoria da Desª. Tula Correa de Mello, da 25ª Câmara Cível do TJ/RJ, publicado em 13.07.2016. Grifamos.

Esse foi o entendimento consolidado pelo STJ para atender aos interesses dos consumidores e dos planos de saúde.


Bibliografia: jurisprudência do STJ e do TJ/RJ.

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