Prescrição x Princípio da Duração Razoável dos Processos


O presente texto procura debater os efeitos da morosidade do Judiciário, o direito de cobrança do crédito tributário pela Fazenda e a aplicação do princípio da duração razoável dos processos.

Questão bastante controvertida e de difícil compreensão do público em geral é quando estamos diante da prescrição do crédito tributário (são aquelas cobranças, por exemplo, de infrações de trânsito não pagas, IPTU atrasado, do Imposto de Renda, quando o contribuinte cai na malha fina).


É muito comum ouvir a seguinte máxima: “dívida com o fisco nunca prescreve!”. Embora não seja correta tal afirmativa, tem o seu fundo de verdade.

A origem de tal “lenda” repousa no fato de que existem diversas normas que regulam o instituto da prescrição, além de decisões dos tribunais que acabam beneficiando a Fazenda Nacional e/ou Fazenda Estadual.

O outro fator responsável por essa sensação de imprescritibilidade do crédito fiscal é bastante conhecido de todos: a morosidade de nosso Poder Judiciário.

Já existe há algum tempo a tese de que o credor não pode ser prejudicado pela demora da máquina judiciária no trâmite do processo. 

Entendo que essa tese pode ser explorada em alguns casos, mas não pode ser aplicada indiscriminadamente, sob pena de inovar no ordenamento jurídico, isto é, criar uma hipótese não prevista em lei para interromper ou suspender a prescrição.

Além disso, com a emenda constitucional nº 45 de 2004 que introduziu o inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição, ficou estabelecido que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo.

Com base nisso, entendo que uma execução fiscal não pode durar 10, 20 anos, porque ficou esquecida na Vara de Execução Fiscal, não importando se foi em razão da morosidade da máquina judiciária ou displicência da Fazenda, que não diligenciou no sentido de promover o regular andamento do processo.

Vale lembrar o brocardo jurídico: “o Direito não socorre aos que dorme.”

Nesses casos o magistrado deve reconhecer a prescrição e ser apurada a responsabilidade de quem deixou a execução parada na Vara de Fazenda Pública.

Todo advogado sabe que embora o processo se desenvolva por impulso oficial (art. 262, do CPC), muitas vezes é necessário “cobrar” do cartório o seu andamento.

A título ilustrativo cito a decisão proferida pela 3ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região:

"Ementa. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITOS INSCRITOS NA DÍVIDA ATIVA. PRESCRIÇÃO. ARTS. 219, §5º, E 269, IV, DO CPC. ART.174, CAPUT, DO CTN. TRIBUTOS SUJEITOS AO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. AJUIZAMENTO ANTES DA LC 118/2005. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA CORTE SUPERIOR (ART.543-C DO CPC). INÉRCIA DA PARTE EXEQUENTE. FALHAS NOS MECANISMOS JUDICIAIS. 1. Trata-se de Remessa Necessária e Apelação da Fazenda Nacional, interposta em execução fiscal visando à cobrança de créditos inscritos em dívida ativa, tendo a sentença julgado extinto o processo, com fulcro nos arts. 219, §5º, e 269, IV, do CPC, pela ocorrência da prescrição. 2. Cobrança do crédito tributário. Prescrição em cinco anos, sendo o marco inicial para a contagem do prazo o da constituição definitiva do aludido crédito (art. 174, caput, do CTN), adotando-se como termo a quo a data da entrega do documento declaratório ou a do vencimento da obrigação se este for posterior àquela data. 3. Aplicação do disposto no art.174, parágrafo único, I, do CTN, com redação anterior à LC 118/2005. Prescrição interrompida pela citação do devedor. Entendimento do E.STJ (art.543-C do CPC): o art. 174 do CTN deve ser interpretado em harmonia com o art. 291, §1º, do CPC, de forma que a interrupção do prazo prescricional pela citação (ou o despacho citatório) retroage à data de propositura da ação (Primeira Seção, REsp 1.120.295, representativo de controvérsia, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 21.5.2010). 4.Créditos constituídos em abril de 1987 e janeiro de 1991. Ajuizamento da execução fiscal na justiça estadual em março de 1992. Lapso prescricional não transcorrido. Declinação de competência para a Justiça Federal em 2010, não havendo nos autos notícias de realização da citação do devedor. 5. Discussão relacionada à responsabilidade pela paralisação processual (se da parte credora, do devedor ou do Judiciário), ao tempo de sua duração (lapso temporal superior a cinco anos) e à ocorrência de inércia atribuída à Exequente, a ensejar o reconhecimento da prescrição. 6. Orienta o enunciado 106 do E.STJ que, ?proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência?. 7. Existem circunstâncias em que a responsabilidade pela paralisação do feito e, por conseguinte, pela demora na citação podem ser atribuídas às falhas nos mecanismos judiciais, havendo outras em que a ausência de atos da própria Exequente que visem a impulsionar o andamento do feito contribuem para a referida paralisação, caracterizando uma conduta de inércia em relação a atos que deveria praticar, não cuidando de promover, por um período superior a cinco anos, o andamento processual ou viabilizar a realização de tentativas, ainda que infrutíferas, para localização do executado. 8. Temperamento do enunciado 106 da Súmula do E.STJ quanto às execuções fiscais paralisadas há mais de cinco anos, sem qualquer iniciativa do credor. Apesar de o processo se desenvolver por impulso oficial, tal fato não retira do interessado a possibilidade de sua participação no desenvolvimento, não cabendo ao Judiciário tutelar interesse da Administração Pública, notadamente em vista do processo sujeitar-se a um tempo de duração razoável (conf. STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp 1324280, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 14.9.2012; TJ/RJ, AC 0153937-86.2004.8.19.0001, Rel. Des. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA, publ. 04.8.2011, e Nona Câmara Cível, Agravo Inominado na referida AC, excerto do voto do I. Relator, publ. 23.8.2011). 9. O impulso processual oficial deve ser estimulado pelas partes e, por isso, o art. 267 do CPC determina a extinção do processo que ficar paralisado por inércia da parte. O fato de a Fazenda consentir que a execução permaneça parada por cinco anos, sem nada requerer, autoriza não seja considerada interrompida a prescrição. 10. O instituto da prescrição volta-se ao princípio da segurança jurídica, devendo o poder público atuar buscando estabilidade e confiabilidade nas relações no tempo, na medida em que determinadas situações não podem permanecer indefinidamente sujeitas a mudanças que repercutam na esfera pessoal, quando já sedimentadas situações outras pelo decurso temporal. 11. Em que pese o processo possuir um tempo próprio, demandando os atos processuais um tempo às respectivas execuções, e o interesse público que envolve a questão, o fato é que o presente feito teve início em 1992 sem que até hoje, passadas mais de duas décadas, a parte executada tivesse sido citada, não se podendo falar em prazo razoável. Prescrição configurada. 12. Remessa Necessária e Apelação não providas."


Por essas razões, me filio ao entendimento de que o crédito tributário não pode se perpetuar no tempo, segundo a interpretação do princípio da duração razoável do processo, que não pode ser sobreposto pelo entendimento da atual jurisprudência de que a Fazenda Pública não pode ser prejudicada pela morosidade do Judiciário.

A Fazenda dispõe de instrumentos processuais e de Procuradores para cobrar do Judiciário o regular andamento do processo de forma a assegurar a satisfação de seu crédito.

A perpetuação do direito de cobrar o crédito tributário traz ainda sérias consequências para outro princípio que é o da Segurança Jurídica.

Não é transferindo o problema para o jurisdicionado, seja pessoa física ou jurídica, e atropelando princípios do Direito, que vamos resolver a questão da morosidade do Judiciário e recuperar o crédito tributário do Erário.

É preciso atacar o problema e identificar onde estão os gargalos da morosidade que impedem o trâmite regular dos processos.


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